Marcos Sacramento Na Cabeça
Dias 10 e 11 de julho, amanhã e depois, às 19h30, Marcos Sacramento estará lançando seu mais novo CD no teatro da Caixa - Avenida Almirante Barros, 25, centro do Rio.
Comecei a entrevistá-lo no meio de seus shows na Europa, os e-mails se perderam no éter da web, a gente recuperou os bichanos e aqui estão perguntas e respostas, como vieram ao mundo, desde os anos 80 do outro século, até agora, o fim, esse curto espaço de tempo de Blog Azul.
Eu me lembro bem, quando ainda dois rapazinhos, mostrei uma música que eu tinha feito, pra ele. Eu gostava da Ângela Rorô, que ouvia no rádio, e fiz a música naquele estilo. Sacramento disse:
- Vá lá em casa pra gente fazer música – eu peguei o violão e fui pro Fonseca. Mas nada aconteceu e Sacramento começou a ir na minha casa, no centro, onde começamos a fazer as músicas sob o olhar vigilante de minha mãezinha. Quando Sacramento colocava besteira nas letras, mamãe vetava, não podia. Mas era só de onda, porque mamãe deixava tudo e as músicas continuavam como eram.
Vejam:
1-Você começou, nos anos 80, com o grupo Cão Sem Dono, onde você interpretava, basicamente, suas composições com Paulo Baiano. Eu, particularmente, era fã do grupo, que considerava de qualidade tal qual ou melhor que aqueles grupos de rock que tomaram conta da mídia naquela época. O que você considera ter havido para que o Cão Sem Dono não tivesse passado do primeiro disco? Hoje, décadas depois, qual sua opinião sobre aquele trabalho de vocês?
Marcos Sacramento- Eu era tão jovem e entusiasmado com o Cão sem Dono que não tinha a menor idéia da realidade.Éramos um grupo de garotos malucos fazendo uma música experimental, no meio de muitos grupos de garotos ricos fazendo músicas comerciais.Claro que não podia dar certo!Mas o Cão sem dono é minha base. Foi ali que comecei a ser profissional (deslumbrado é verdade) mas profissional.
2-Depois do disco Cão Sem dono você fez o Modernidade da Tradição? O que aconteceu entre um e outro? Você lembra? Como se construiu a idéia desse seu disco solo?
Marcos Sacramento- Lembro de muito pouca coisa deste período. Estava sempre bêbado...rsrsrs...Entre 87 (que foi quando o Cão sem Dono acabou) e 94, ano de lançamento da “Modernidade...”, fiz algumas coisas bacanas. O Grupo FIGURAS, por exemplo. Shows esporádicos com Paulo Baiano, etc.Mas principalmente fiquei pensando no futuro. E o futuro era uma incógnita.Então, fiquei meio incógnito nesse período.
3- Você esqueceu a minha última parte da pergunta? Ou devo concluir que a ídeia do "Modernidade..." veio a partir desses pensamentos sobre o futuro? Ou que a construção do "Modernidade..." ainda seja uma incognita?
Marcos Sacramento - A vida é um mistério.Pra mim, a vida sempre foi um mistério.Desde pequeno me pego pensando nisso. Por que o tempo? Como é isso de bilhões de anos?O ser humano? Por que o ser humano?O planejamento do “modernidade” foi resultado de encontros e acasos.Sérgio Natureza me apresentou a Mauricio Carrilho; fizemos muitos shows e resolvemos gravar o CD. Marcos Suzano apareceu e se ofereceu pra participar. Encontros, acasos, mistérios.
4- Outro dia estava pensando em como o acaso tem sempre um papel tão importante na construção artística, quer dizer, o acaso me parece ser um elemento primordial, é como se ele trouxesse o que está faltando para fechar uma unidade. Você está me entendendo? Então, foi a partir do "Modernidade..." que foi se criando o perfil do artista que você é hoje? O Cão Sem Dono é sua base, você disse, mas você começou a estruturar sua carreira com a "Modernidade", né? Foi com esse disco que você teve a atenção de quem entende de música no Brasil e no exterior?
Marcos Sacramento - Sim, é exatamente isso. O “Modernidade” teve uma visibilidade muito boa no exterior. No Brasil passou quase em branco, mas abriu algumas frentes. Voltando ao acaso, creio que ele seja um elemento importantíssimo, mas talvez, não primordial. Acho que os elementos vão se complementando. O acaso, o talento, a sorte são elementos complementares.Quanto ao artista que sou hoje, não sei direito como é isso. Em mim, o artista e o cara normal que sou estão associados peremptóriamente. Amo a frugalidade, vou à feira, compro tomates, corro na Praça Paris, cuido do meu pequeno apartamento, compro ração pros meus gatinhos, faço meus shows, gravo meus discos. Entende? Tudo está no mesmo “vibe”.
5- Sim, você tem razão. O acaso não é primordial, é apenas mais um elemento, me expressei mal. E é importantíssimo, como a sorte e o talento. O que quis dizer é que sem o acaso uma obra como que não se completa, fica faltando um pedaço. E como uma coisa só começa a existir depois que se completa, daí pensei em primordial. Mas esqueçamos isso, porque isso é maluquice minha. Voltemos aos primórdios de Marcos Sacramento...então, o Marcos Sacramento de hoje e que tem sua base no Cão Sem Dono, começou a ficar visível primeiro no exterior com a "Modernidade da Tradição", que foi um disco por acaso, certo? Depois daí, você começou a ter uma agenda de shows super-engrenada e já está no quinto disco solo, né? Quais foram os discos que sobrevieram?
Marcos Sacramento - Insisto que “Modernidade...” não nasceu “só” por acaso. Houve também muito planejamento e conceituação, principalmente por parte de Mauricio Carrilho, que é um músico exigente e radical. Aprendi muito com ele, tivemos vários ensaios/encontros, conversamos bastante até chegarmos à idéia do CD. O acaso ficou por conta da adesão do Suzano e alguns outros detalhes.Depois de “Modernidade” vieram “Saravá, Baden Powell” (com Clara Sandroni) “Caracane”, “Memorável samba”, “Fossa nova” (com Carlos Fuchs), “Sacramentos” e o mais recente que está em fase de lançamento “Na cabeça”.
6- Você voltou da Europa faz uma semana, onde ficou por um mês, fazendo shows na França, Holanda e Itália. Você lançou o “Na Cabeça” primeiro no exterior? Conte um pouco de seus shows por lá? O Europeu continua te recebendo, quer dizer, te ouvindo melhor que o brasileiro ou isso não é bem assim? Qual a diferença nos dois ouvidos, o brasileiro e o estrangeiro? Como você sente isso?
Marcos Sacramento - Minha carreira no exterior ainda é incipiente, aliás, aqui, de certa forma, também. Digo isso não sem uma certa ironia, é claro. Meus discos não tocam nas rádios, não apareço nas TVs, nas novelas e nem nas mídias mais badaladas, no entanto estou sempre trabalhando e conquistando cada vez mais espaço. Portanto, depois de 25 anos de carreira ainda sou, muitas vezes, considerado um iniciante ou simplesmente desconhecido. A desinformação causa esses aleijões. Convivo com isso há muito tempo e, ora entro em desespero, ora curto com bom humor e ironizo tudo. A tournée de shows na Europa foi bacana pra caramba. Fizemos shows maravilhosos em Amsterdam, Paris, Marselha, Anecy, Toulon e Bordeaux. O show novo foi um sucesso. Fiquei superfeliz porque fiz um disco mais radical, com a presença só de violões e levei esse show pra lá (exatamente o mesmo que estréia aqui no Rio, 10 de julho)Mas não vejo diferenças tão gritantes entre os públicos europeu e brasileiro. Claro que reagem diferentemente a determinados momentos ou têm intensidades também diferentes na efusividade da recepção, mas isso é uma questão cultural.
7- Esse seu disco novo, o “Na Cabeça”, que você estréia dia 10, no teatro da Caixa Econômica, no centro do Rio é um disco muito lindo, sabia? Eu adorei aquela música em que você cita a Billie holliday, acho que numa música do Cartola, e numa outra você faz uma citação à Tropicália do Caetano Veloso, tem uma outra em que você fala de Nelson Cavaquinho e tal, e deve ter muitas outras referências para as quais eu precisaria de mais informação para notar. E os violões também, formam uma unidade sonora muito cheia de detalhes para ouvir. Então, você que começou cantando o que você diz ter sido música experimental, firma sua carreira de cantor com uma música brasileira muito tradicional, não?
Marcos Sacramento - Pois é, continua o lance da modernidade inserida nessa tradição.Já no Cão sem dono cantávamos Paulinho da Viola e herivelto Martins com arranjos “desconstrutivistas”. A música brasileira é muito rica nesse sentido. Temos um cancioneiro da pesada. Neste Cd, trago também composições próprias e inéditas, e estas peças estão, sem dúvida nenhuma, impregnadas das mais diversas influências. A música do Luiz Flávio, por exemplo, tem uma pegada meio Ataulfo. As citações são uma marca registrada. Tenho isso como uma forma de prestar homenagem aos que me antecederam. Aos que abriram os caminhos. Acho, sinceramente que continuo o mesmo experimentalista de sempre, talvez com mais maturidade.
8 – Além de cantor, seu veio de compositor sempre foi muito elogiado pelos que te conhecem, mas você tem sido comedido com ele nos discos e, consequentemente, nos shows, quer dizer, as suas composições sempre ficaram um pouco mais atrás.
Na Cabeça, que dá nome ao novo disco, é música de sua autoria com o Luiz Flavio. Esse disco abre o caminho para um trabalho mais autoral?
Marcos sacramento - Ainda não sei. Não faço planos nesse sentido. Gosto muito das músicas que faço com você, mas nos últimos tempos tenho me transformado numa pessoa muitíssimo exigente. Muitíssimo exigente, principalmente comigo! Não sei se um próximo disco será totalmente autoral ou se será uma volta às regravações. Tudo que escrevo acaba não passando pelo meu crivo forte de exigência. Mas adorei X-tudo. Adorei essa música que você fez com minha letra. Penso muito em fazer um disco só com nossas composições. Não sei quando. Sou um velho novo. Estou sempre pensando que nossos antecessores tipo Caetano, Chico, Gil, Milton, Bethânia, Gal, etc. Estão no apogeu do sucesso e da (boa) forma aos sessenta e tantos, então, nós que estamos chegando nos 50 ainda temos alguma chance, algum tempo para futuras realizações. Concorda? Além do mais, hoje em dia, pegamos leve. Eu, por exemplo não me drogo mais, não bebo mais, estou mais dentro da boa forma e curto isso, o que aumenta bastante minhas chances de chegar aos sessenta com energia para fazer discos autorais, regravações, e tudo que for pintando de excitante.Pretendo me excitar muito ainda com a música e com a criação.Mas vou ter que passar por essa fase (que não sei quanto tempo pode durar) de auto-crítica extrema. Quase doentia, com relação a compor, bem entendido.
9- Ontem, eu e Pedro depois de termos tirado sangue para checar a quantidade de HIV no nosso sangue e depois de tentarmos, sem conseguir, resolver alguns problemas nossos, pegamos um ônibus ao leo e saímos por aí.
Estávamos sentados próximos ao cobrador e eu ia dizendo pra o Pedro que já estou velho e que, por isso, se eu fosse um cara de mais decisão, eu me esqueceria de música e livros e me mudaria para o interior, onde eu teria mais qualidade de vida, um quintal, galinhas, rio, verde e tal. Aí, o trocador se meteu.
Ele disse:
- Velho? Você? – e começou a falar de minha juventude e do tanto tempo que ainda tenho pela frente. Então, como a voz do povo é a voz de Deus, concordo contigo que ainda temos alguma chance, algum tempo para futuras realizações.
Voltando ao Marcos Sacramento Na Cabeça, que já teve uma mostra de shows na Europa, por aqui, onde você já tem shows confirmados?
Marcos Sacramento - Faço o show de lançamento aqui no Rio nos dias 10 e 11 de julho. Depois, em agosto, vamos numa tournée pelo interior de São Paulo, nos Teatros do SESI, até novembro.Isso é o que já está confirmado.Estamos confirmando datas para levar o show para São Paulo (capital), Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília e Fortaleza, que são as capitais onde o povo já me conhece bem...rsrsrs...também não te acho velho. Você parece um garoto. É o que disse, me sinto um velho novo. A velhice também tem um começo. É onde me situo, e, com sua licença, você também.Estamos no começo da velhice, e com toda essa modernidade e ciência, vamos longe.Você, eu, Pedro, Baiano, vamos até o fim.no fim, espero, teremos realizado nossos sonhos, ou pelo menos, teremos sonhado bastante.
10 - Os amigos sempre me dizem mesmo que você não aparenta ter a sua idade, dizem que você é bem mais jovem. Hoje, parecemos mesmo mais jovens que nossos pais, quando na idade que temos. E as mulheres sempre dizem que você é um gato!
Você que aparece pra muita gente nos shows, é muito abordado, tipo assim, recebe muita cantada? E os homens, como chegam em você?
Marcos Sacramento - Esqueci de falar do Valfredo. Mas ele é tão especial pra mim, que acabo sempre o deixando só para intimidade. E ele é mesmo muito tímido. Com ele, certamente, vou até o fim.As mulheres me abordam pra caramba. Os homens me ignoram. Não estou mais querendo saber de sexo.
11- He he he você é mesmo radical, palavra que usou por duas vezes nas respostas da minha curta entrevista. Sexo é bom!
Para terminar, você fez um especial muito elogiado para Carmen Miranda, nas comemorações do centenário dela. E o público gay? Como você penetra esse público?
Marcos Sacramento - Penetro bem. É uma penetração delicada e crescente. O público gay gosta muito de mim e de Tia Carmem. Obrigado.
quinta-feira, julho 09, 2009
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2 comentários:
Luís, que maravilha sua entrevista com o Sacra!
Sempre disse aos meus amigos que ele não aparenta a idade que tem. Um amigo meu achou ele um tesão, Eu tb acho. Só discordo da cisma dele com o lado compositor. Acho que ele deveria gravar mais as coisas dele. Mas discirdo só um pouco pq sou muito autocrítico com as coisas que escrevo e entendo o que ele sente. Eu tb me sinto estranho em relação à minha idade, ao tempo que perdi e continuo perdendo sem fazer nada de importante. ''Alguma coisa que preste'', como diz a Suely. Pena o Sacra ter falado tão pouco sobre a temática gay. Taí, acho que vou entrevistá-lo também.
..................
Renan Sanves
Luís, como são as coisas. Estou aqui falando com o Bob, sobre parcerias, anos 80, sobre o que fazíamos e pensávamos, falei do Cao Sem Dono e fui procurar e achei... essa entrevista. Perfeita resposta.
beijos e parabéns pelo blog.
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