Dos objetos artísticos que eu tenha tentado fazer até hoje e
que partindo de uma idéia inicial, aos poucos, eu vá me envolvendo na sua
emoção e construindo o corpo de uma música, construindo o corpo de um livro,
muita coisa não vinga, silencioso leit@r, muita música chega a se construir até
o fim, mas não é atraída para um disco, fica uma coisa chocha, sem força, eu
não toco na roda de amigos e não chama a atenção de ninguém e tal e, aí, vai,
vai, vai e desaparece no éter do tempo.
Ou no éter de uma gaveta aqui em casa, quer dizer, bom e
silencioso leit@r, cada gaveta tem o seu cosmos, com o seu caos e a sua ordem
de coisas feitas.
Outras são atraídas para algum disco meu ou de outra pessoa
por pura conjunção do acaso e, por pura conjunção do acaso, fico muito feliz em
vê-las a orbitar por aí.
O mesmo se dá com os livros...
E pela conjunção do acaso do país em que estou, sobre o que
penso que bem pouco eu entenda, esses meus últimos trabalhos – Cinema ìris e
Mamãe me adora – que são disco e livro que conseguiram chegar a um final, a uma
conclusão, foram os que, infelizmente, mais me angustiaram, por causa do
desastre que está sendo suas entradas na engrenagem do mercado. E me deixam
angustiado e desanimado, deprimido.
É possível que eu não tenha percebido os emperramentos e
desastres por que passaram o Cinema Orly e Rato e Lua Singela e que, por isso,
não me angustiasse.
É possível que para eles também a entrada tenha sido um
troço difícil.
É possível que nem tenham entrado e que orbitem por aí ao
leo e que minha ilusão é a de que entraram e façam parte de um contexto
qualquer. E que, por isso, dessa forma, eu saiba que eles existam, porque estão
por aí...
Quer dizer, bom leit@r, existem...
Minha angústia é que Cinema Íris e Mamãe me Adora, por uma
série de escolhas mal feitas, entraram no mercado e não entraram. Onde
encontrá-los? Em minha gaveta?
O que fazer, eu não sei
È tanta coisa, demais pra mim... la lá lá lá lá lá lá.
Marcos Sacramento que, vi na internet, fará uma série de
shows pela Inglaterra e França, agora, em outubro, de fora, vê melhor a
organização das coisas e fez um texto indignado.
Veja bom leit@r:
“Um dos principais objetivos de um ser humano (e se ele for
um artista, aí, isso fica mais sério e incisivo) é o deixar rastros. Não
necessariamente para que sejam seguidos, mas simplesmente para engendrar algum
sentido físico à existência passageira e cheia de insistentes significados
metafísicos. E assim seguimos como felinos encantados levantando nossas
perninhas e deixando nossas marcas nos canteiros da vida.
Mas e quando somos impedidos de fazê-lo?
O que acontece?
Luis Capucho tem prontos um novo livro, Mamãe me adora, e um
novo CD, Cinema Iris.
Mas o processo rocambolesco em que se transformou a
tentativa de lançá-los para o público beira o patético.
Não é assim que se deve tratar um artista da estatura de
Capucho.
O rastro que ele tem para deixar para a humanidade é de
vital importância mas parece que as editoras e gravadoras que ocupam o segmento
no qual a obra de Capucho estaria inserida, insistem em não enxergar tal
importância. Porque, sim, temos que nos sujeitar a enquadramentos insólitos nos
segmentos ditos alternativos, não comerciais, undergrounds, GLBTs, essas
bobagens todas. Mas se nem nesses nichos conseguimos espaço, o que fazer?
Luis Capucho é um artista maior. Concentrado.
Conseguiu, depois de passado mais de um ano, “negociar” com
duas pequenas casas (gravadora e editora de livros) o lançamento de suas duas
novas obras, mas o que se viu foi desrespeito e negligência por parte dessas
duas pequenas empresas.
Estamos falando de arte e consequentemente de cultura.
Mamãe me adora é uma obra-prima da literatura brasileira
contemporânea e o CD Cinema Iris tem a marca da ousadia dos grandes artistas
destemidos que se lançam no escuro do abismo da alucinação de quem perdeu quase
tudo de voz e de controle motor no momento do auge da vida dos trinta e poucos
anos.
É difícil não se emocionar com os textos e as sensações
enganosamente naifs e enigmáticas dos dois trabalhos de Luís, bem traduzidas
nas capas do CD e livro.
É difícil tentar mesmo entender o porquê de tanta
negligência e falta de respeito com um artista tão singular e especial.
Luis conseguiu com sua perseverança, determinação e atitudes
vencer todas as dificuldades impostas pelas seqüelas do coma provocado por
doenças que o atacaram por conta de sua baixa imunidade pelo HIV. Mas não
consegue vencer a mesquinharia, hipocrisia e pequenês de uma organização de
mercado que insiste em virar a cara para seus trabalhos e impede sua propagação
e movimento para o público entrar em contato com esse seu universo único, o
universo de sua arte.
É tudo muito estranho.
É estranha essa lambança toda provocada pela falta absoluta
de empenho em fazer o mínimo necessário para que tudo acontecesse dentro da
normalidade. Mas a editora preferiu rescindir o contrato e a gravadora não
divulga ou distribue os CDs.
As tentativas de diálogo tornaram-se vãs e hostis, nada de
diálogo, nada.
O que diriam Bukowski, Vinicius, Glauber Rocha, Quentin
Crisp, Sergio Sampaio, Lima Barreto, Cazuza, Cassia Eller, Jean Genet, Renato
Russo, Itamar Assunção, João do Rio?
Ouvi alguns artistas da mídia dizerem que Glauber e Vinicius
morreram cedo porque não teriam lugar no mundo como ele é hoje.
Será que é isso?
Ney Matogrosso bem identificado com a movimentada cena
cultural e artística do início dos anos 70 e considerado um importante
representante da ousadia em romper e desafiar tabus comportamentais no Brasil,
disse ter receio de gravar uma canção de Capucho porque sua letra diz em um de
seus versos “enquanto homens masturbam-se na neblina do cinema”, pois para ele,
isso tornaria seu possível disco proibitivo.
Entretanto, mantém a dúvida.
Se um intérprete considerado um iconoclasta da nossa música
popular comporta-se dessa maneira, por achar que hoje o público é mais careta,
o que esperar de quem está por detrás de um balcão de uma pequena editora de
livros querendo se dar bem e ganhar alguma grana?
Enquanto isso, quanto ao trabalho de Luís Capucho, não se
pode pensar nada, se ele não vem a público.
E esse é o fato senhores:
Luís Capucho teve que comprar os livros da tal editora e
parece que vai ter que comprar os CDs da tal gravadora. Agora tem que
vendê-los.
Onde vamos armar o barraco?
E quem se importa?”
Marcos Sacramento.