Fazendo
tudo muito devagarinho.
Quando
acordei estava uma claridade estranha entrando da janela.
Devagarinho
o céu azulou, ficou um março lindo.
Devagar,
nublou, outra vez.
Consegui
colocar de volta os discos numa gaveta e descobri que numa sacola tem roupa de
cama para o guarda-roupa.
Não tenho
que fazer tudo de vez...
Enquanto
descobria essas coisas, me deparei com um livro do Eça de Queiroz.
E comecei a
ler uma de suas cartas para Ramalho Ortigão, datada de julho de 1873.
Ele está
escrevendo de Nova York, bom leit@r.
É incrível,
veja:
“... De
resto é uma cidade que em parte amo e em parte detesto. Amo-a, porque... porque
sim - e detesto-a, porque deve ser detestada. O que isto é, V. não imagina: a
violenta confusão desta cidade, o extraordinário deboche, o horror dos crimes,
a desordem moral, a confusão das religiões, o luxo desordenado, a agiotagem
febril, a demência dos negócios, os refinamentos do conforto material, os
roubos, as ruínas, as paixões, os egoísmos – tudo isto está aqui Chauffé au
rouge. Isto não pode durar, todo o mundo diz.
É uma
cidade que tem cem anos e que está podre: está detraquée. Viveu muito, muito
depressa – e chegou sem educação. Por que a verdade é esta: Nova York não tem
civilização. A civilização não é ter uma máquina para tudo – e um milhão para
cada coisa: a civilização é um sentimento, não é uma construção. Há mais
civilização num beco de Paris, do que toda a vasta Nova York. Aqui não há
gosto, nem espírito, nem distinção, nem crítica, nem classificação – nada: uma
sociedade podre de rica, afogada em luxo, exagerando as modas, inventando
muitas – e querendo enriquecer mais e ter mais luxo ainda. Você deve ter lido o
que se tem passado aqui com o Credit Mobilier e com outras poderosas
associações bancárias, ligadas ao sistema de administração: tem-se apenas
descoberto – que os homens públicos, de alto a baixo, são um rolo de ladrões.
Ladrões por toda a parte, eis a crítica da administração. Ladrões por toda a
parte, eis a crítica do comércio. Ladrões por toda a parte, eis a crítica das
ruas. Ladrões! Nova York transborda de ladrões: veste-os, exporta-os, vende-os
– e quanto mais enforca, mais lhe nascem. Se Você sai do seu hotel e encara
alguma das grandes ruas de Nova York, fica aterrado: aquela agitação, estrondo,
ruído, febre, rostos consumidos e secos, toilletes únicas, carruagens nos
passeios, ônibus aos lados, caminhos de ferros por cavalos no centro da rua,
caminho de ferro à máquina por cima das ruas, junto ao teto das casas, o
aparato imenso da polícia, a excentricidade dos anúncios, o rumor apressado de
todo mundo... Compreende logo que está entre um povo bárbaro, que aprendeu a
civilização de cor. Mas bárbaro como é – que força, que originalidade inventiva,
que perseverança, que firmeza! È estranho! E ao mesmo tempo que grosseria de
maneiras: revólver, praga e empurrão, algumas palavras de inglês e muita saliva
– eis o que é a língua americana. Como eu detesto esta canalha! Como a mais
pequena aldeia de França é superior, imensamente superior pela sua civilização
a esta orgulhosa Nova York, que se chama a si mesma como Roma – A Cidade.
Estúpida
Nova York – que fez ela jamais para se chamar A Cidade? Paris fez a Revolução,
Londres deu Shakespeare, Viena deu Mozart, Berlim deu Kant, Lisboa...deu-nos a
nós – Que diabo! Mas esta estúpida Nova York, o que tem dado?...”.
Um comentário:
Muito bom :)
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