Eu adoro esse lance de olhar pra trás.
Eu me lembro que, logo depois que saí do hospital com o que
me disseram ser incoordenação motora, eu estava na sala e quando alguém falou
alguma coisa na cozinha e me virei pra olhar, caí. Além da incoordenação, alguma
coisa no cérebro descentrou o meu equilíbrio, porque o equilíbrio e a
incoordenação são coisas que estão no inconsciente do cérebro... he he he.
Eu sabia da incoordenação, porque a médica disse, mas quanto
ao equilíbrio, mesmo que eu caísse à toa e mesmo que eu tivesse demorado um
pouco pra conseguir me equilibrar de pé, não me conscientizei de sua falta, sei
lá, não pensei assim, estou sem equilíbrio. Eu pensava: tenho de voltar a
andar, ta ligado?
Então, nessa tentativa de voltar a normalizar o meu andar,
ficou um lance tenso, porque não podia olhar pra trás... é um andar meio robô,
um lance lento e sem espontaneidade, assim, estátua viva. Por exemplo, quando
eu tou aqui em casa e quero levar uma xícara de café no Pedro, eu vou igualzinho
a um zumbi. Só ter a xícara, equilibrando o café nela, já desestabiliza todos
os movimentos e vou entornando o café pelo caminho, mesmo todo concentrado para
que não caia.
Agora, eu tenho dito para a Alessandra que vou entrar na
piscina com espontaneidade e tenho treinado isso, entrar na piscina sem pensar
ou sem a automatização que rolou de ter entrado na piscina por tantos anos
tendo que pensar. Então, o lance agora é tirar do corpo esses automáticos que
ficaram, porque acho que tou chegando num tempo em que não preciso mais dessas
travas, tem que destravar... tem de levar o café no Pedro sem concentração, com
naturalidade...
Vendo agora os registros do Diário da Piscina, vou vendo que
entre as outras coisas, estão registradas lá as travas de corpo com que, num
repente, fui tendo de lidar, e isso eu acho um pouco engraçado.
Nos anos iniciais de minha recuperação, eu sentia que a cada
dia eu ganhava uma melhora. Depois
comecei a sentir que as melhoras vinham mais espaçadas e, hoje, ainda de quando
em quando e mais demorado, me dou conta de que avancei numa e noutra coisa. E,
agora, andando na rua, eu começo a conseguir olhar pra trás, enquanto ando, que
é uma coisa que eu curto demais fazer. Porque, logo que eu fiquei um cara
adulto, me incomodei demais com esse lance de só poder focar os olhos numa
única direção. Eu queria que meu cérebro inteiro olhasse e não que vazasse a
visão apenas para frente, nos olhos. E isso me deixou bastante nervoso. Eu sou
meio louco, sim, mas normal...rs.
Outro dia, a gente tava vendo um filme em que o cara não
poderia olhar pra trás, na sua travessia do mundo dos mortos para o mundo dos
vivos. Aí, eu acho que esse lance de olhar pra trás tem uns sentidos que a
gente fica afim de procurar, pra entender melhor as coisas e tudo.
Faz um tempinho, quando Rubia me visitou, numa conversa, eu
disse que tinha olhado uns vídeos meus no youtube e tal e fiquei falando disso.
E ela fez uma expressão muito séria e surpresa e falou:
- Que legal, luís, que você se vê! – e eu gostei muito dela
ter me falado isso com seriedade e num momento assim afirmativo, de
confirmação, porque a gente é sempre grilado com isso de ficar olhando para o
que já foi, e, como eu disse, adoro olhar pra trás.
E tenho pensado nisso de estar conquistando de volta os meus
movimentos e sinto que vai rolando dois contrários: um que vou ganhando os que
perdi e outro que vou perdendo, por que vou ficando mais velho e já não quero
mesmo que meu cérebro vase para todas as direções. Não quero mesmo ser um
Buda... he he he!
Caramba! Muita coisa! Mas estou dizendo isso porque pedi ao
Bruno um áudio do projeto Escuta para transcrever. E isso é um olhar pra trás,
que tou adorando.
Fora isso, um Diário da Piscina para Icaraí!
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