Já faz um tempo, eu ainda morava em Papucaia e nas vezes em
que eu estava no quintal compondo, vinha um pavor, num ímpeto, quando eu sentia
que tinha chegado numa música. Quando eu avistava ela e, aí, depois, era só
seguir escavando, pra libertar a bichana. Eu ficava bem assustado e ainda fico,
quando vejo que posso avistar, destacado do chão, o que fiz e, aí, eu vejo que
estou ali, como num espelho.
Isso é uma continuação do que escrevi aqui no Blog Azul,
ontem. Sem ser um adendo, porque isso que escrevo agora, tem um outro corpo.
Então, tem pensamento que me deixa bem assustado, por
exemplo, isso, pensar que posso ser dois, quando me olho no espelho de uma
música que fiz.
Só que, hoje, estávamos falando, eu e Vitor Wutzki, sobre a
música Ave Nada. Que é uma música que a cada vez, se mostra de um jeito
diferente. Assim, radicalmente diferente. A cada execução dela, seu corpo é
outro.
Então, o Vitor tava me dizendo que quando tocamos ela no
171, de BH, ele tinha visto pichada no muro em frente a figura de um peixe-ave.
E ele pensou se isso, não era um prenúncio de que fôssemos chegar à Ave Nada
definitiva. E para ele, chegamos a uma forma para ela. Mas falta achar o seu
miolo, um estofo. Ou, não. E pra sempre ela terá outro e outro recheio.
Essa é uma forma de não ter susto.
De não se ver no espelho.
De não fazer retrato.
Como no post de ontem, de o Diário da Piscina e tudo o mais,
ser apenas uma abstração.
Não é ninguém ali.
Ave Nada.
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