Achei no Mix Brasil minha entrevista pra H Magazine de abril. Veja, silencioso leit@r:
Luís Capucho fala de novo CD e nega rótulos para a Literatura
Postado por: Hélio Filho
Luís Capucho conta como superou um coma e critica rótulos para a Literatura
Luís superou um coma escrevendo
Atualmente ele mora na cidade fluminense de Niterói, mesmo não sendo muito praiano, e encontra nas límpidas águas de uma piscina o oxigênio necessário para continuar criando livros e discos que não gosta de classificar como gays. “Eu prefiro dizer que não existe Literatura Gay, existe Literatura, ela é uma só.”
Natural da mesma cidade de Roberto Carlos, seu mais novo disco tem nome inspirado em uma das fases do rei da música brasileira e traz um Luís mais ameno, menos rude e punk, como ele mesmo diz, do que o atual – um homem que após um mês em coma pegou o papel e a caneta para colocar em linhas as emoções sentidas por ele, ou criadas a partir de sua observação do mundo.
De onde vem o nome “Antigo”?Eu sou de Cachoeiro do Itapemirim, que é a terra do Roberto Carlos. Ele tem duas fases que as pessoas quando vão se referir a ele usam. O Roberto Carlos de antigamente é o Roberto antigo, então tem gente que prefere o Roberto Carlos antigo, da década de 70, e não gosta do Roberto Carlos atual. Como sou de Cachoeiro também, eu quis fazer uma brincadeira com esse Roberto Carlos antigo. Queria dar o nome ao disco de “Luís Capucho Antigo”, porque é um Luís Capucho que canta antes da voz estar com a sequela e antes de eu descobrir que eu poderia fazer livros. Mas aí acabou virando só antigo mesmo.
Mas você gosta mais do Roberto Carlos antigo ou o atual?Na verdade eu gosto de todos, mas o antigo é muito legal. Mas eu adorei essa música nova dele, “Esse Cara Sou Eu”.
E você se considera um homem antigo?Não, acho que eu não sou antigo não. Acho que eu também não sou moderninho. Se me olhar na rua ninguém me percebe, eu sou um cara que ninguém me saca no meio de todo mundo. Eu sou normal. Porque a pessoa moderna, quando você vê ela no meio de um monte de gente, você saca, entende? Eu não tenho essa visibilidade, mas eu acho que eu sou moderno sim.
O CD sai com 15 músicas que foram feitas pensadas em quê? Quando elas foram produzidas?Eu aprendi a tocar violão com 23 anos, então quando eu fiz eu deveria ter uns 29, 30 anos, por aí. Das músicas que eu comecei a fazer com 23 anos até chegar aos 30 eu escolhi as melhores que eu achava e resolvi mostrar no show. Algumas são em parceria e outras sozinho, não tem parceiro. O CD é só virtual por enquanto, já está disponível para download gratuito no site www.luiscapucho.com.
Por que você decidiu fazer de graça?Eu não ganho dinheiro com música. Então eu pensei: se eu não ganho dinheiro com música, por que eu vou fazer um disco para vender?
Como surgiram essas sequelas na sua voz que você citou antes?Eu tive neurotoxoplasmose por conta da baixa imunidade por causa do HIV. Isso foi em 93. Então eu fiquei um mês em coma e quando eu acordei não consegui falar nem andar, e fui reaprendendo a andar. Eu tive uma sequela chamada incoordenação motora, que eu fiquei todo descoordenado. Como a voz também é um lance motor, pra você falar você tem que controlar os músculos da língua e da boca, eu não tinha esse controle, não tinha coordenação. Eu não conseguia mais falar direito nem tocar violão, e aí aos poucos eu reaprendi a falar, cantar e tocar, só que não da mesma forma. Eu comecei a cantar de um jeito mais rude, mais punk, mais batido por conta da incoordenação. Esse registro que eu estou disponibilizando agora é dessa fase antes do coma, da sequela, onde eu era um compositor mais normal, com uma voz mais branda, embora os meus temas já denunciassem essas composições mais cavernosas.
Quais são esses temas pelos quais você passeia nessas composições?São temas subjetivos, pessoais. Eu falo de amor, de sexo, de poltrona de mãe, as coisas que eu vivenciava e que eu vivencio. Coisas bem próximas a mim, quase autobiográficas.
E nessa nova fase, mais punk, mais rude, tem alguma coisa que vai ser lançada?Eu já lancei o “Lua Singela” (Astronauta Discos – 2003), que foi o primeiro disco, e no ano passado eu lancei o “Cinema Íris” (Multifoco), que é um disco que faz uma dobradinha com o livro “Cinema Orly” (Editora Interlúdio – 1999). Porque quando eu tive as sequelas eu achei que não conseguisse mais fazer música, aí eu comecei a escrever. E aí eu escrevi “Cinema Orly”, escrevi “O Rato” e agora escrevi o “Mamãe me adora” (Editora Vermelho Marinho – 2012). Com as sequelas eu acabei distribuindo as minhas possibilidades de expressão, tanto musical quanto literária. Comecei a escrever depois do coma porque eu não podia mais fazer música. Como a minha incoordenação me deixava escrevendo muito esquisito, eu comecei a escrever a mão para treinar a minha caligrafia, aí eu escrevi o “Cinema Orly” em uma agenda que eu tinha para ir treinando escrever novamente. Eu precisava assinar as coisas, precisava usar a minha letra.
E hoje em dia como você se sente? Você superou essas limitações que vieram com o coma?Olha, eu estou quase normal, eu só não consigo sair correndo, se for pegar um ônibus e ele estiver fora do ponto e eu tiver que correr até lá eu não consigo, mas é a única coisa. Porque eu estou falando normal, eu acho, só de vez em quando que eu dou uma rateada, mas está normal. No violão estou cada dia melhor, a voz também cada vez melhor para cantar. Eu acabei ganhando porque agora eu juntei livro e disco, o disco antigo agora está aparecendo no meio dos discos novos. O “Antigo” é um disco onde eu estava mais novo, eu achava que eu nunca fosse conseguir me aproximar dessa voz, desse violão, mas hoje estou começando a chegar próximo do que era antes. Eu me sinto quase que fechando um ciclo. Porque para eu assumir esse disco antigo demorou muito, e para eu assumir esse Luís Capucho novo também foi difícil, porque tinha a referência do antigo. É uma coisa complicada, você está conseguindo me entender?
Sim, você estava perdido entre o antigo Luís e o novo.Sim, e agora eu estou começando a juntar os dois. O antigo e o novo são diferentes. O antigo é mais fácil de ouvir, é mais melodioso, mais suave, mais limpo.
Quantos anos tem o novo Luís Capucho?Eu tenho 50, mas com corpinho de 30 (risos).
E novos livros? Já tem algum vindo por aí?Estou pensando em um novo, chamado “Diário da Piscina”, mas eu ainda não quero falar porque a gente nunca sabe se vai conseguir chegar ao final, entende? Tanto o livro quanto o disco. Porque o processo de fazer é tranquilo porque é caseiro, mas você conseguir colocar no mercado é um lance mais complicado, tem que se agenciar, investir em você mesmo. É um negócio meio complicado. Não dá pra viver de escrever, eu vivo da minha aposentadoria porque eu sou professor aposentado. Me aposentei por causa do coma.
O novo Luís Capucho, que lança “Antigo”, está solteiro?Não, eu tenho namorado. É meu primeiro namorado, faz seis anos que namoramos. É o primeiro porque antigamente eu era o maior galinha, é a primeira vez que eu namoro sério. Eu acho meu namorado muito, muito legal, é muito bom. E eu acho que eu também sou legal (risos).
Morando em Niterói, você é daqueles que estão sempre na praia ou prefere mais ficar em casa com o namorado?Eu sou muito caseiro, mas o Pedro, meu namorado, é todo diferente de mim. Ele adora sair, adora conversar, adora festar, dormir tarde. É o contrário de mim, então eu acabo indo com ele à praia, saindo com ele. Se eu ficasse sozinho, sem ele, eu ficaria muito em casa eu acho.
O que a idade te trouxe de melhor?Eu acho que o melhor no meu caso foi ficar menos tímido. Eu era muito travado, na medida em que eu fui ficando mais velho eu fui elaborando melhor a minha expressão. Facilitou a minha comunicação. Antes eu era muito confuso e muito tímido. Quer dizer, eu ainda acho que sou muito confuso, mas menos tímido. Me acho confuso, contraditório, falo uma coisa, penso uma coisa que se contradiz no próximo pensamento, entende? Aí você vive sem saber o que é que você está achando, se é uma coisa ou se é outra, porque as duas coisas são verdade para você.
E o que de pior ela te trouxe?De pior... Olha, por enquanto não me trouxe nada de ruim. Pode ser que quando eu ficar mais velho eu vá sentir que eu estou decadente fisicamente. Mas por enquanto eu acho que eu estou fisicamente legal.
Mas você pratica esportes, algum tipo de exercício?Eu pratico, eu nado desde o coma. A minha fisioterapia é a natação. Então desde que eu cheguei em casa depois que saí do coma e me senti um pouquinho melhor para sair eu comecei a nadar e nado até hoje. Ajuda a arejar a cabeça, oxigena o cérebro você nadar. Você dá uma limpada na cabeça por conta da oxigenação, então você pensa melhor, imagina melhor. Acho muito legal, eu adoro nadar.
Dá para dizer que os livros e discos passam ali pela piscina, a criação deles?Passa sim, meu próximo livro vai se chamar “Diário da Piscina”. Os meus livros parecem autobiográficos, mas quanto mais livros eu faço, mais eu vou ficando escritor, mais eu vou deixando a minha imaginação funcionar ali naquela história. Então, por exemplo, no “Cinema Orly” tem mais confissão do que imaginação. “O Rato” já é um pouquinho ficção, o “Mamãe me adora” mais ficção ainda. Na prática de fazer Literatura os meus livros vão se tornando mais de ficção, vão me deixando mais livre. Eu vou melhorando o escrever, eu vou sabendo melhor, dominando melhor, sem pretensão.
Existe uma Literatura Gay? Ou tudo é somente Literatura e ponto final?Eu acho que não se pode rotular como Literatura Gay. Porque você vê que nós gays estamos conquistando cada dia mais espaço, cada dia estamos ficando mais oficiais, digamos assim, saindo da clandestinidade. Cada vez mais incluídos, mas a gente ainda não é incluso, a gente ainda não é legalizado. A gente ainda tem um pé na clandestinidade. Então é um cidadão de segunda categoria, não é um cidadão pleno. Então se você rotula uma literatura de Literatura Gay, você traz para ela essa subcoisa, não é Literatura, é uma subliteratura. Eu não gosto de ver que existe uma Literatura Gay porque acaba seccionando a Literatura nessa classe subalterna, que ainda não é uma classe que tem cidadania. Então a Literatura também não teria legitimidade. Eu prefiro dizer que não existe Literatura Gay, existe Literatura, ela é uma só. Tem pessoas que escrevem sobre homossexuais, tem pessoas que não escrevem sobre homossexuais e isso independe da opção sexual delas e independe se é Literatura Gay ou Literatura ou Literatura maior ou menor. Eu acho que é tudo Literatura, prefiro não seccionar. Você acaba limitando inclusive o leitor.
Discografia
(2012) Cinema Íris (Luís Capucho) – Multifoco – CD
(2003) Lua singela (Luís Capucho) – Astronauta Discos – CD
(1997) Ovo (vários artistas) – participação – Rob Digital – CD
Bibliografia
“Cinema Orly”, Editora Interlúdio, 1999.
“Rato”, Editora Rocco, 2007.
“Mamãe me adora”, Editora Vermelho Marinho, 2012
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