quinta-feira, dezembro 23, 2010

Com a invenção da escrita, estabeleceu-se para os homens um modo paralelo de trocar informações, um modo paralelo de uso da linguagem, como um espelho da oralidade, mas com características muito próprias.
Com relação a ela e posicionados no mesmo ponto em que ontem estivemos, nada ouviríamos do vozerio humano, não nos chegaria nenhum Ommmmm donde pudéssemos recortar o “vai”. A palavra escrita para que seja decifrada precisa luz. Ela não soa. Tem vibração luminosa.
Entretanto, para Wittgenstein, ouviríamos, internamente, algo como a sonoridade de um “vai” dito por boca humana:
“Não chegarei a dizer, por exemplo: a palavra impressa ‘nada’ lembra-me sempre o som de ‘nada’ – Mas as palavras, quando lidas, como que deslizam para dentro de nós. Sim, não posso olhar uma palavra impressa da língua portuguesa, sem um processo peculiar de audição interna do som dessa palavra”.
E isso lembra a minha idéia de que as palavras são instrumentos de penetração. As palavras, como queria Willian Burroughs através de Laurie Anderson são vírus. São parasitas hospedeiros e se baixamos nossa guarda, nossa resistência, somos determinados por elas, exatamente, como, ontem, ao recortar de dentro da onda do vozerio, num segundo da língua portuguesa, a superfície da palavra “vai”. Fui.

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