Quando fiz sinal de corpo pra moça que estava no banco do ônibus insinuando que eu queria me sentar na parte vaga da poltrona, ela tirou os fones do ouvido e perguntou se eu queria, de verdade, me sentar ali – é que tava um pouco molhado.
Eu disse:
- Está só molhado o lugar?
- Sim.
- Então, vou me sentar – e entrei entre suas pernas e o encosto da poltrona da frente e me sentei, no molhado. Ela recolocou os fones de ouvido e abstraiu. De minha parte, comecei meus devaneios em ônibus, sonhando com as casas que eu via na beira das avenidas e onde seria gostoso morar. De meu lugar, via as casas pegando o sol da tarde, iluminadas no último e, aí, pensei que seria bom morar ali apenas no inverno. E me lembrei de um tipo de tortura sobre a qual ouvia falar, quando entrei na escola, em 1969: colocavam uma goteira de água gelada sobre a cabeça do prisioneiro. Me lembrei disso, porque só então vi que o ar condicionado do ônibus, defeituosamente, pingava no lugar que eu tava sentado, pingando agora suas gotas geladas na minha cabeça. E comecei a imaginar, como conseguiriam isso, quer dizer, o prisioneiro deveria estar amarrado, embaixo das gotas?
- Ta amarrado! – uma voz falou dentro de mim. E era a Xuxa na cozinha inventando alguma estória sobre seu último namorado, que todo mundo sabia que não existia. E, nisso, a moça se ajeitou ao meu lado, encostou-se toda em mim e reparei que ela era enorme e tinha cabelos enormes, duros, cheios, e olhei e vi que tinha uma outra moça em pé no corredor do ônibus com os mesmos cabelos duros, cheios, esticados, pintados, e que segurando nas alças de duas cabeças de poltronas à frente dela, relaxava o pescoço, rodando sua cabeça em torno do tronco, como se fosse uma minhoca cabeluda.
E um cara de voz máscula atendeu o celular na poltrona de trás e começou a negociar e eu achei que ele estivesse mentindo, porque acho que todos mentem no celular.
E a moça que ouvia rádio no seu celular a meu lado se levantou para saltar e um cara muito grande se sentou a meu lado e fiquei vergonhosamente reparando o tamanho de suas pernas ao lado das minhas e quando ele levantou pra sair sentou-se outra mulher enorme a meu lado e fiquei me sentindo muito pequeno outra vez... e eu, ali, sob a goteira.
Ta amarrado!
Fui!
2 comentários:
Saudade de andar de onibus.
Eu sempre gostei de andar de onibus em pe. E' que os motoristas em sua maioria dirigem feito loucos e eu gostava do impulso e da constante necessidade de lutar para nao cair.Mas eu era bem mais jovem.Agora creio que tambem sentaria no molhado...
Eu estava com o violão, aí, quis ficar sentado.
Postar um comentário