segunda-feira, janeiro 17, 2011

A respeito da desordem da vida, da natureza, da realidade e voltando ao livro de Arlindo Machado A Arte do Vídeo, 1988, encontrei na página 149:
“Quando o computador gráfico distribui de forma aleatória as folhas de uma árvore, ou cria a nodosidade num tronco, ou desenha a forma irregular de uma montanha, a figura obtida como resultado parece demasiadamente “caótica” se comparada com o modelo natural. Ora, isso parece dizer que, a despeito da aparente gratuidade, as formas da natureza, mesmo aquelas mais selvagens e amorfas, devem ter alguma espécie de organização secreta...(...). Que geometria misteriosa é essa que rege a construção do contorno desigual de uma montanha e distribui escarpas, pontas e fossos em sua superfície? A resposta parece que começa a ser vislumbrada com o surgimento da surpreendente geometria fractal.”


E eu pergunto, bom leit@r: O que dizer da geometria da língua escrita? Estaria ela, com suas irregularidades de contorno, seus fossos e pontas, mais próxima da desordem do mundo?

Continuando o Arlindo Machado...

“Essa geometria(fractal) de história recentíssima constitui um sistema matemático tão poderoso que parece ser capaz de descrever e representar as estruturas de fenômenos naturais resistentes à formalização, como o contorno de uma montanha, a distribuição das folhas numa árvore, o mapeamento das crateras lunares e até mesmo a distribuição das galáxias, o padrão dos fluidos e a configuração das turbulências. Desenvolvida e sistematizada pelo polonês Benoit Mandelbrot, a geometria fractal traz à luz processos dinâmicos não-lineares que estão colocando em xeque as últimas garantias do sistema euclideano de representação. Como se sabe, a geometria clássica trabalha com categorias abstratas convencionais, a rigor inexistentes na natureza e a ela inteiramente estranhas, como é o caso dos pontos, das linhas, dos planos e dos sólidos regulares. A maioria esmagadora dos objetos técnicos forjados pelo homem reproduz essas categorias: suas formas são lisas, regulares e “funcionais”, pois a sua própria finalidade é materializar funções matemáticas ou conceitos científicos. A natureza, entretanto, sempre resistiu à redução geométrica, donde o enorme dificuldade de descrever os seus fenômenos a partir de categorias carregadas de módulos de ordem e disciplina. Basta observar como se comportam os galhos rugosos e retorcidos das árvores, o perfil flamejante das chamas, a distribuição dos cúmulos estelares, a forma das nuvens e a textura do relevo terrestre. Em comparação com os modelos geométricos a natureza parece caótica, desorganizada, moldada por mil artimanhas do acaso, imprevisível em última instância. Ora, a geometria fractal, em sintonia com o que há de luxuriante no mundo natural, aboliu os pontos, as linhas, os planos e os sólidos substituindo-os por processos complexos e dinâmicos que se dão entre essas dimensões. Assim, descobriu ela que a dimensão fractal de certas superfícies rugosas ou irregulares é algo intermediário entre as dimensões 0 e 1, 1 e 2, 2 e 3 ou mesmo 3 e 4, ou seja, um número fracionário ou um inteiro “anormal” ou ainda um número irracional, descritivo de um estado irregular ou interrompido. Se não for muito grosseira a comparação, podemos dizer que a geometria fractal se ocupa de algo como retas tortas e planos amassados.
(...) A geometria fractal traz de volta à cena filosófica um princípio básico do pensamento oriental, segundo o qual a parte já contém o todo(...).

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