Quando Luis Capucho publicou seu Cinema Orly, em 1999, vinha a público, enfim, uma obra que nascia de um lugar específico, sem mediações culturais da erudição acadêmica ou do status quo burguês, convocando imediatamente um leitor capaz de se reconhecer no interior da obra e compartilhar com o narrador as suas mesmas experiências. Cinema Orly registrava o quotidiano de uma tradicional sala de cinema do centro do Rio de Janeiro, cuja freqüência notabilizou-se por um público em busca de encontros sexuais fortuitos, a pegação. Morador de um subúrbio carioca, o narrador distanciava-se do mainstream gay, que, naquela época, tinha pouso certo nas páginas da revista Sui Generis. Agora, em Rato, Capucho oferece-nos uma narrativa exemplar de sua visão de mundo, construída unicamente a partir do exercício de sua (homo)sexualidade. Em confronto estão o seu frágil corpo e a virilidade desempenhada pelos moradores de uma cabeça de porco, administrada pela mãe do narrador. Quando esta presença tutelar se afasta da narrativa, a tensão se instala e a incapacidade do narrador de lutar pela posse do espaço é abandonada. O direito à diferença triunfa na medida em que se abandona a tensão sustentada unicamente pelo desconforto dos homens da casa para com aquela figura frágil que encarna o narrador. Rato vai além de Cinema Orly, bem além... se antes, Capucho exercitava seu direito ao gozo pelo gozo, agora, sobretudo, seu narrador exercita seu direito à existência e à sobrevivência. A tensão entre o jovem homossexual frágil e os homens que moram na cabeça de porco é vencida pela recusa e pela esquiva; antes de ser um ato de covardia, dependente de uma lógica bélica, requerida pelo universo masculino, esquivar-se é um ato de inteligência e razão que põe abaixo qualquer traço da mesquinharia humana, já posta em xeque por Machado de Assis, na exposição do humanitismo de Quincas Borba. O que era, enfim, lutar pela cabeça de porco senão sujeitar-se á lógica do oprimido? Eis a novidade de Capucho, sua virtude e sua simplicidade.
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3 comentários:
Muito bem escrita a "orelha" do Rato. Parabéns!
Bjs
Círia
Fico feliz quando esta coisa toda de lançamento começa esquentar!
Todo sucesso do mundo para o Rato!
Curti a entrevista e a orelha do Rato.
Abraço, Luís!
Oi Luis,
Meu nome é Tatiana Issa e dirigi o documentário Dzi Croquettes (não sei se vc chegou a vê-lo…) e no filme temos nosso querido Ney…
Lendo algumas matérias suas, fiquei muito interessada nos teus livros Cinema Orly e sobretudo Rato… acho que eles tem muito ha ver com o universo que estou procurando no meu próximo projeto…
Moro fora do Brasil ha 8 anos… teria algum site que eu poderia comprar os livros ?
Mande um beijo ao meu querido Ney por mim… ele se emocionou muito no nosso filme e tenho um carinho enorme por ele que trabalhou anos com meu pai…
Vc me daria um retorno?
Um grande abraço,
Tatiana.
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