terça-feira, março 15, 2011

Ontem, enquanto Dorinha arrumou a casa, fiquei lendo Oração aos Moços, de Rui Barbosa.
É um livro delicioso, bom leit@r.
E antecipa isso que hoje chamamos presença virtual.
A turma para que o discurso fora feito, estava a comemorar a formatura em São Paulo e Rui Barbosa, aqui do Rio, mandou o texto, sem que pudesse ser ele próprio o orador. Então, ao comentar sobre não estar fisicamente presente, fala sobre não fazer muita diferença, porque, nas palavras dele, um lugar e um tempo, em especial, contém todos os lugares e todos os tempos encorpado no seu estreito limite.
Daí, que estava presente para quem ouvia sua carta.
Veja esse trecho em que, ao final, quase é uma profecia:

“Para o coração, pois, não há passado nem futuro, nem ausência. Ausência, pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade, tudo presença. Mas presença animada e vivente, palpitante e criadora, neste regaço interior, onde os mortos renascem, prenascem os vindouros, e os distanciados se ajuntam, ao influxo de um talismã, pelo qual, nesse mágico microcosmo de maravilhas, encerrado na breve arca de um peito humano, cabe, em evocações de cada instante, a humanidade toda e a mesma eternidade.
A maior de quantas distâncias logre a imaginação conceber, é a da morte; e nem esta separa entre si os que a terrível apartadora de homens arrebatou aos braços um dos outros. Quantas vezes não entrevemos, nesse fundo obscuro e remotíssimo, uma imagem cara? Quantas vezes não a vemos assomar nos longes da saudade, sorridente, ou melancólica, alvoroçada, ou inquieta, severa, ou carinhosa, trazendo-nos o bálsamo, ou o conselho, a promessa, ou o desengano, a recompensa, ou o castigo, o aviso da fatalidade, ou os presságios de bom agoiro? Quantas nos não vem conversar, afável e tranquila, ou pressurosa e sobressaltada, com o afago nas mãos, a doçura na boca, a meiguice no semblante, o pensamento na fronte, límpida, ou carregada, e lhe saímos do contato, ora seguros e robustecidos, ora transidos de cuidado e pesadume, ora cheios de novas inspirações, e clamando, para a vida, novos rumos? Quantas outras, não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-mundo, e com eles renovar a prática interrompida, ou instar com eles por um alvitre, em vão buscado, uma palavra, um movimento de rosto, um gesto, uma réstia de luz, um traço do que por lá se sabe, e aqui se ignora?
Se não há, pois, abismo entre duas épocas, nem mesmo a voragem final desta à outra vida, que não transponha a mútua atração de duas almas, não pode haver, na mesquinha superfície do globo terrestre, espaços que não vença, com os instantâneos da presteza das vibrações luminosas, esse fluido incomparável, por onde se realiza, na esfera das comunicações morais, a maravilha da fotografia à distância no mundo positivo da indústria moderna.
Tão pouco medeia do Rio a S. Paulo! Por que não conseguiremos enxergar de um a outro cabo, em linha tão curta? Tentemos. Vejamos. Estendamos as mãos entre os dois pontos que a limitam. Deste àquele já se estabeleceu a corrente. Rápida como o pensamento, corre a emanação magnética desta extremidade à oposta. Já num aperto se confundiram as mãos, que se procuravam. Já, num amplexo de todos, nos abraçamos uns aos outros. Em S. Paulo estamos. Conversemos amigos, de presença a presença.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Interessantíssimo o texto do Rui Barbosa, Capucho! Ele adotou em vida algumas posturas polêmicas diante da escravidão, mas, não há dúvida, o cara era brilhante. A propósito, falei pra vc do meu livro "O domador de pulgas", onde um dos contos teve trecho inspirado pela sua "Máquina de escrever". Este mesmo livro traz um 'nano-conto'que tem uma métrica e estética musical que me traz o seu som. Você quer ler/ouvir? Contato mantocosta@ibest.com.br

walter disse...

que texto forte,Luis!O meu pai era Fan numero 1 do Rui Barbosa.
Muito forte e passional. agora entendi melhor o seu amor por ele.