Eu tava
olhando aqui e vi num caderninho que guardei, leit@r, no dia 22 de janeiro de
1988, escrevi, sentado na sala em frente a um ventiladorzinho feito em casa
pelo Seu Amaro - uma gambiarrazinha de peças de que me lembro bem, tinha pequenas
hélices marrons – naquele dia, escrevi um texto sobre o calor que fazia, vendo
televisão, enquanto mamãe estendia roupas “de fora a fora no varal. Tem um pano
amarrando um pequeno coque na nuca e um arco de plástico branco prendendo os
cabelos do alto da cabeça. Aviso-lhe que a novela já vai começar.” No
desenvolver do texto, vê-se que penso que mamãe pensa que estou estudando prum
concurso, quando na verdade estou fazendo um diário. Então, eu falo sobre o
muito calor, sobre como sinto que me derreto, como sinto que me desmancho de calor,
sobre como o calor tem efeito no meu sexo, e como ele me enche de prazer e vou
delirando, delirando e digo um trecho assim “No deserto havemos então de nos murchar
e secar como uma flor: eu pensei isso me sentindo penalizado e ao mesmo tempo
elevado com a nossa fragilidade física. Devemos saber que estamos secando, que
estamos nos queimando a nós mesmos, nos consumindo, a partir do sinal que nossa
boca dá. Quanto mais esta estiver minando saliva, quanto mais fértil nossa boca
estiver, mais saudável e feliz haveremos de estar.
Após semanas
no deserto nossa língua deverá ficar queimando, devemos ter a sensação de que
ela seja uma brasa e isso não haverá de ser efeito de vertigem, mas pura
realidade, porque sabemos que o corpo também tem o quente e o quente é o que dá
cor a nosso espírito.
Devemos,
pois, ter o nosso pouco de intimidade com o corpo e saber-lhe da chuva e do calor.”
E, aí, é um
texto sobre o prazer e vai se desenrolando sobre a solidão e sobre o que eu pensava
ser o amor.
Fui.
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