quarta-feira, outubro 01, 2014




Eu tava olhando aqui e vi num caderninho que guardei, leit@r, no dia 22 de janeiro de 1988, escrevi, sentado na sala em frente a um ventiladorzinho feito em casa pelo Seu Amaro - uma gambiarrazinha de peças de que me lembro bem, tinha pequenas hélices marrons – naquele dia, escrevi um texto sobre o calor que fazia, vendo televisão, enquanto mamãe estendia roupas “de fora a fora no varal. Tem um pano amarrando um pequeno coque na nuca e um arco de plástico branco prendendo os cabelos do alto da cabeça. Aviso-lhe que a novela já vai começar.” No desenvolver do texto, vê-se que penso que mamãe pensa que estou estudando prum concurso, quando na verdade estou fazendo um diário. Então, eu falo sobre o muito calor, sobre como sinto que me derreto, como sinto que me desmancho de calor, sobre como o calor tem efeito no meu sexo, e como ele me enche de prazer e vou delirando, delirando e digo um trecho assim “No deserto havemos então de nos murchar e secar como uma flor: eu pensei isso me sentindo penalizado e ao mesmo tempo elevado com a nossa fragilidade física. Devemos saber que estamos secando, que estamos nos queimando a nós mesmos, nos consumindo, a partir do sinal que nossa boca dá. Quanto mais esta estiver minando saliva, quanto mais fértil nossa boca estiver, mais saudável e feliz haveremos de estar.
Após semanas no deserto nossa língua deverá ficar queimando, devemos ter a sensação de que ela seja uma brasa e isso não haverá de ser efeito de vertigem, mas pura realidade, porque sabemos que o corpo também tem o quente e o quente é o que dá cor a nosso espírito.
Devemos, pois, ter o nosso pouco de intimidade com o corpo e saber-lhe da chuva e do calor.”
E, aí, é um texto sobre o prazer e vai se desenrolando sobre a solidão e sobre o que eu pensava ser o amor.
Fui.

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