quarta-feira, maio 09, 2018


Não sei se eu comecei a aprender tocar o violão, que era pra eu me exibir. Eu tenho muita lembrança de detalhes relativos a isso, mas nada relacionado à exibição. Era mais um encantamento, como na história das sereias. Mas tem a possibilidade de mesmo sem ser claro pra mim, na época, muito no íntimo, que eu quisesse mesmo me exibir, porque, assim que fui impossibilitado de tocá-lo, por conta de minhas sequelas motoras deixadas pela neurotoxoplasmose, escrevi o Cinema Orly, que é um livro, assim, a exibição da exibição.
Eu adorei o que o Fabio falou, que os meus textos são importantes pra construção da história da resistência beesha, mas também, eu gosto de pensar como o Edil disse, a respeito de minhas cartas, mas que vale também pros livros:

“Já tive oportunidade de dizer, inclusive publicamente, que as cartas de Luis Capucho são um grande testemunho da voz de um poeta. E este testemunho é importante, dado o fato do Luís ter sido facilmente incorporado pelo movimento LGBT que vê seu texto como a própria encarnação da voz do sexo mais torpe e animal. Como dizem, “o nosso Jean Genet”. Mas as cartas do Luis provam o contrário. Apesar delas falarem sobre sexo – e falarem eventualmente sobre sexo – elas falam de trepadeiras que sobem pelos muros, de bolinhos de arroz, de poltronas, de toda essa miríade de objetos ordinários que nos circunda e que constitui o universo muito próprio onde ele realiza seu ato máximo de transcendência, nos mostrando que a vida é encantada justamente por ser composta desses objetos que ora lhe causam espanto, ora lhe causam terror, ora lhe causam uma profunda ternura. É por isso que Luis Capucho é poeta. E se é a voz de um sexo animal que lhe fala, é porque o corpo é mais um desses objetos ao qual ele presta atenção e no qual ele joga luz, nos fazendo perceber que, apesar dos seus movimentos serem descompensados e de sua consistência ser compacta, possui uma temperatura extremamente quente.
Portanto, as cartas de Luis Capucho nos advertem sobre a necessidade de fazer uma enorme correção: não é voz de um sexo animal que fala. É outra voz. E ainda que fosse a voz de um sexo animal que falasse, há de se lembrar que toda essa voz se encontra subordinada por uma força que lhe mostra o quanto a vida, a mais ordinária, com todos os seus objetos, como todas suas tragédias físicas e corporais, com toda sua decrepitude, é linda. Portanto, se a voz do sexo mais animal fala em Luis Capucho, há de se compreender que essa voz se encontra subsidiada por uma outra voz: a voz mesma do homem, do próprio representante da espécie humana. Por isso a sua obra não se reduz só a sexo: ela é humana, profundamente humana, sendo por isso mesmo um misto daquilo que de mais animal e de mais humano há em cada um de nós.
Eis a razão pela qual é tão difícil de se interpretar a sua poesia, a sua obra: é porque ela é metade animal, metade homem. É porque ela é escrita, afinal, por um legítimo centauro, diante do qual pasmamos.”


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